LIVROS DE ARTISTA: DEFINIÇÃO PLURAL

Os artistas, sobretudo os pintores, intervêm e colaboram na elaboração de livros desde tempos imemoriais – nomeadamente a nível decorativo e ilustração. Mas, em meados do século XX fazem-no diferentemente porque engendram eles próprios os (seus) livros assumindo e acompanhando todas as etapas de feitura dos mesmos - são os editores, produtores, paginadores, autores dos textos e imagens, encadernadores e distribuidores. A diferença fundamental, entre o livro ilustrado por um artista e um livro de artista, reside numa subtileza sagazmente definida por Anne Moeglin Delcroix: le livre n'a pas un sens il est son sens1; o que numa tradução literal indica – o livro não tem um significado ele é o significado.

O livro de artista é integralmente concebido e realizado pelo artista, é da sua inteira responsabilidade e autoria. A partir do século XX, o livro e os múltiplos são, por excelência, meios de divulgação e difusão da contracultura. São materiais geralmente baratos de adquirir ou produzir, transportáveis e, consequentemente, acessíveis a quem quiser consumir. Em meados do século XX, alguns artistas constituem as suas próprias editoras, evitando assim qualquer tipo de censura e garantindo uma independência económica; cito apenas alguns exemplos: Sol Le Witt funda Printed Matter, Ed Ruscha cria a Heavy Industry Publications, Michael Baldwin e Terry Atkinson unem-se em 1968 para criar a Art & Language Press; e, Dick Higgings publica inúmeros livros, opúsculos e manifestos dos artistas ligados ao movimento Fluxus através da sua Editora Something else press. Como sintetiza Brian Wallis Besides serving as an alternative space artists' books functioned within the community of alternative spaces2.

Existem dois aspectos seminais, fundadores do conceito "livros de artista":
1 – o artista colecciona, copia e divulga mais facilmente o que faz devido às novas e acessíveis técnicas de reprodução (fotocopiadoras, fax, scanner, impressão off-set, entre outros); passando os a produzir múltiplos coleccionáveis e/ou efémeros: revistas, cartazes, postais, livros de artistas, livros-objectos, auto-colantes, flyers mas também discos, filmes, entre outros, de forma autónoma e independente da rede galeristica e museal. Estes múltiplos espelham o cruzamento de uma influência popular e referências eruditas.
2 – os artistas documentam os seus próprios processos de trabalho registando happenings e acções efémeras, publicando textos críticos (como por exemplo D. Judd), poéticos ou outros de carácter indefinível – como por exemplo as auto-entrevistas de Lucas Samarras.

Em Artist/Author – contemporary artists'books3, Clive Phillpot e Cornélia Lauf distinguem e enumeram exaustivamente um leque alargado de 13 categorias de livros de artista: Magazine issues and Magazine Works; Assemblings and Anthologies; Writings, Diaries, statements and manifestos; Visual poetry and wordworks; Scores; Documentation; Reproductions and sketch books; albums and inventories; graphic works; comic books; Illustration books; Page Art, pageworks mail art e Book art and book Works.

Clive Phillpot e Cornélia Lauf frisam que esta tipologia heterogénea de livros repercute a retórica da auto-representação como, por exemplo no caso evidente da francesa Sophie Calle ou de Ben Vautier. Em La vérité de A à Z, Vaultier compila um índex de truísmos, obsessões, desenhos e fotos da sua vida privada. No caso deste dois últimos artistas citados é supérfluo tentar esclarecer a ambivalência permanente com que distinguem (ou não) o grau de veracidade do que apresentam assim como, o limite entre público e privado. Concluímos que a partir do momento em que publicam dados sobre sua intimidade esta informação passa a ser de domínio público. No caso de muitos outros artistas o livro de artista pode possibilitar (novas) vias internas de pesquisa, produção e apresentação de trabalho, sendo que os exemplos são demasiado numerosos para serem aqui mencionados.

Em Portugal, a Fundação Gulbenkian e a Fundação Serralves possuem um espólio excepcional de livros de artista e edições de autor. A biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian acolhe uma importante colecção de livros de artista doada por Ana Hatherly em 2007, que pode ser consultada pelos visitantes na sala de leitura de reservados. A Fundação Serralves, com a colaboração de Guy Schraenen, organiza diversas actividades e pequenas mostras sobre temas relacionados com edição de autor, livros de artista, artes gráficas entre outros. A biblioteca possui um importante acervo doado por E. M. de Melo e Castro que é praticamente desconhecido do grande público.


1 in, Moeglin-Delcroix, Anne- Esthétique du livre d'artiste. Paris, Ed. Jean Michel Place/Bibliothèque National de France, 1997 pág. 10
2 WALLIS, Brian – The artist's book and postmodernism. NY, D.A.P/The American Federation of Arts, 1998
3 PHILLPOT, Clive e LAUF, Cornélia - Artist/Author – contemporary artists'books. NY, D.A.P/ The American Federation of Arts, 1998.