À demain
Office d'Art Contemporain, Bruxelas, Bélgica, 2014
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Os novos desenhos de Isabel Baraona

Num trabalho artístico não há verdadeiramente variações temáticas. Tanto os assuntos como as suas problematizações são inabaláveis. Até porque, uma vez removidos, verificamos que com eles saiu também o autor. Há, isso sim, momentos de ruptura no percurso artístico e esses reconhecem-se pelos novos modos como se inscrevem agora as forças que o fazem mover-se. No desenho este procedimento assume uma dimensão literal, directa. É precisamente neste sentido que a nova série de desenhos de Isabel Baraona introduz uma fractura face à obra que a antecede. Num registo mais evidente ela assenta na alteração da escala dos suportes: são agora maiores, as folhas de papel. Contudo, a dimensão é, destes desenhos, convocada apenas para admitir outro tipo, mais complexo, de problematização: o espaço que organiza o próprio desenho.

Estes desenhos são assumidamente complicados. Eles exploram não tanto a escala do suporte, mas a natureza do espaço que contém as inscrições — que produzem o desenho. Ou, mais exactamente, as suas naturezas, pois o espaço destes desenhos é fragmentado e cada desenho é um ensaio na exploração de uma pluralidade espacial. A estranheza e o rigor da proposta reside no facto de a artista estar consciente dos riscos desta operação. A co-habitação improvável desses espaços, de naturezas tão distintas, é o lugar central da sua proposta, a sua dificuldade e o seu interesse. Cada desenho assume diversos estratos, aparentemente autónomos, de construção. E estes implicam, por sua vez, lógicas distintas de percepção espacial. São processos muito díspares: há planos construídos por varrimento, confinamentos cartográficos, contaminações, reforços do enquadramento da imagem e, muito particularmente, tentativas de evasão da própria contenção espacial. Há gestos largos concebidos para abarcar a totalidade do espaço disponível (e daquele que não está disponível, no exterior da folha) e outros, discretos, ao serviço de pequenas unidades de leitura. Há o plano aforístico e poético das palavras e há, pontualmente, inusitadas disrupções produzidas por eixos transversais aos planos da superfície: os retratos-espelho. E há ainda, ao nível do funcionamento da cor, uma hesitação entre diagrama e pintura. A simultaneidade destes espaços e o modo como as imagens neles se manifestam é, pode dizer-se, o assunto destes desenhos.

Os desenhos parecem remeter para diferentes zonas do repositório das imagens modernas e contemporâneas mas, surpreendentemente, o processo desenvolve-se por evocações desarticuladas. As sugestões são sempre oblíquas, unidas pelos meios utilizados na produção da imagem. Como se essa multiplicidade se obrigasse sempre a uma mediação densa e elíptica, cuidadosamente confinada ao gesto do desenho que pressupõe uma espécie de fuga do lugar do desenho — sem realmente admitir o abandono do seu território. Por detrás de cada desenho espreita a pergunta: "o que sucede à intimidade se a trouxermos para a luz do dia?"                             

Philip Cabau, Outubro de 2013

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