Da prÁtica e da colecÇÃo À investigaÇÃo1

Catarina Figueiredo Cardoso & Isabel Baraona

Da prática

Entre 1994 e 1997 a Isabel foi aluna do ARCO e aí criou um primeiro conjunto de cadernos pintados e recortados.  Por diversas razões os cadernos foram arrumados numa gaveta até que em 2007, no contexto de um doutoramento teórico-prático, foram revisitados e, após longa reflexão, serviram de mote a Os livros de cores, uma colecção de 5 livros de artista.
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Da colecção

A Catarina colecciona livros de artista e edições de autor. Mais do que reunir a obra forçosamente acabada de um morto, fascina-a acompanhar artistas vivos que renovam continuamente a surpresa e a descoberta. Decidiu concentrar-se em livros de artistas portugueses ou relacionados com Portugal por razões sentimentais, por encontrar nos artistas portugueses as qualidades, as referências e o lastro comum que lhe permitem reconhecer-se neles e compreendê-los a partir do interior do seu trabalho, para além dos valores formais e estéticos.
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Por outro lado, o acervo de informação documental que reuniu ao longo dos anos e o aprofundamento do seu conhecimento das obras e dos seus contextos (quem as produziu, em que circunstâncias e com que objectivos) reforçaram a sua intenção de aprofundar numa investigação académica os géneros de livros de artista portugueses criados desde os anos 1960 e o enquadramento teórico para a descrição desta produção e para a compreensão do seu significado estético e cultural.

.à investigação2

O projecto Tipo.PT é fruto de um conjunto de experiências pessoais mas é contextualizado como um projecto prático de natureza académica. O arquivo www.Tipo.PT foi concebido por Isabel Baraona no âmbito de uma bolsa de pós-doutoramento da Universidade Rennes 2 e o Portuguese Small Press Yearbook (PSPY) foi elaborado por Catarina Figueiredo Cardoso no contexto do Doutoramento em Estudos Avançados em Materialidades da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Contudo, na realidade e desde o primeiro momento, o arquivo e o anuário foram pensados por ambas e em vivo debate, sendo duas facetas do projecto global cuja estrutura (simplificada e adaptada ao panorama nacional) teve como matriz Artists’ Books Online: http://www.artistsbooksonline.org/mission.html.
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As motivações que fundamentam este projecto são claras e existe uma vontade de investimento a longo prazo tanto no arquivo como no anuário que decorre dos nossos projectos pessoais, como foi já mencionado: a Catarina, como coleccionadora e estudiosa; para a Isabel, como extensão da sua prática artística e como ferramenta pedagógica. Mas decorre também do nosso comprometimento com a rede de outros artistas e investigadores que têm aderido ao projecto. Apesar da falta de financiamento e de apoios institucionais, temos tido o apoio inestimável de artistas, editores, coleccionadores privados e de bibliotecárias. Temos recebido inúmeros comentários e críticas aos materiais que publicamos e o projecto começa a ter visibilidade, nomeadamente após ter sido incluído no ARTIST’S BOOK YEARBOOK 2014 – 2015 editado por Sarah Bodman e Tom Sowden, responsáveis pelo Centre for Fine Print Research, e publicado por Impact Press e por The Center for Fine Print Research da University of the West of England, em 2013.

Neste fluxo de encontros entre diversos agentes dos mais variados quadrantes, Tipo.PT é também fruto indissociável das conferências O Que um Livro Pode organizadas em 2011, 2012 e 2014 pela Isabel e três amigos: a Cláudia Dias, o David Guéniot e a Patrícia Almeida. Em 2014 a Filipa Valadares foi convidada a integrar a organização das conferências. O primeiro texto de divulgação explica que:

O título desses encontros “O que um livro pode” – com a sua formulação que ecoa algo de incompleto ou suspenso – pretende reforçar este aspecto: o que um livro pode ser, o que ele pode devir, o que ele pode conter, em que pode ser transformado… ou seja, o livro enquanto espaço de potencialidades – que sempre desafia as próprias convenções do livro “tradicional”. Papel, páginas, capa e contracapa, mas também texto, imagem, relações entre texto e imagem, entre imagens, fotografias, desenhos, entre textos, elaboração de estratégias de narração, de ficção, de interacção com o leitor, diversidade dos modos de impressão, constituem alguns dos recursos de que o artista dispõe e agencia para desmultiplicar as formas do livro e complexificar as suas redes de significados.3

www.Tipo.PT e o Portuguese Small Press Yearbook  ganharam sentido e foram sendo estruturados em cada um destes “encontros”, tecendo uma rede colaborativa interessada no reconhecimento público do valor plástico indiscutível deste tipo de obras. São uma tomada de posição activa na elaboração da história da edição de autor em Portugal, divulgando projectos editoriais de grande qualidade mas que, por diversas razões, são ainda marginais no meio artístico.

BARAONA, Isabel e FIGUEIREDO CARDOSO, Catarina - da prática e da colecção à investigação. In, Kraft #1 (Coord. Miguel Leal). Porto, FBAUP, 2014.

1 Este texto é redigido segundo as normas da ortografia vigente antes do AO.

2 Como nota final, devo mencionar que foi publicada uma versão deste texto no Portuguese Small Press Yearbook 2013, cujo primeiro número foi lançado em Novembro de 2013.

3 Os programas completos podem ser consultados em: http://oqueumlivropode.tumblr.com/